ROMA — Carlo Petrini, fundador da Slow Food, diz que seu medo era ver a associação que criou há mais de 20 anos para promover a boa alimentação e lutar contra o crescente consumo do produto industrializado, acabar virando clube de gourmets privilegiados.
Nascida no fervor de movimentos de protesto de esquerda na Itália nos anos 80, a Slow Food veio tornar-se uma organização mundial com mais de 100.000 membros e atividades e apoiadores em 150 países. “Era meu maior medo no início acabar nos tornando um tipo de associação de gourmets, mas acredito que este perigo não existe mais”, ele disse em entrevista à Reuters.
Agora a Slow Food, que já opera projetos educacionais para crianças nas cidades, apóia pequenos agricultores na África e ajuda produtores de queijo na Europa desenvolver redes de distribuição para seus produtos, ingressa na batalha pela reforma agrícola na União Européia (UE).
“ É a primeira vez que assumimos a posição tanto de elaborar propostas formais como fazer protestos”, ele disse. “Precisamos mudar o sistema de alimentação”.
Enquanto ministros da UE aceleram os preparativos para reformas da Política Agrícola Comum (PAC da UE), programa de apoio agrícola do bloco de 55 bilhões de dólares, a Slow Food vem lançando propostas para ajudar aos pequenos agricultores e levar jovens de volta ao campo.
O movimento marca novo passo de uma organização conhecida em geral pela promoção de queijos de leite cru, verduras da estação e comida regional tradicional.
“A idéia é renovar a posição social do pequeno agricultor, dar a ela vida e sentido. É um desafio enorme e para isto é necessário apoio político”, ele disse. “Os dados são chocantes. Hoje, menos do que 7% dos agricultores europeus têm menos de 35 anos. Um terço dos agricultores têm mais de 65 anos. Já é uma situação desesperadora”.
Acrescentou, “Há muito trabalho a fazer quanto a isto e o novo PAC precisa abordar o problema em termos estruturais com propostas concretas”.
SALSICHAS E POLÍTICA
A insistência da Slow Food em conhecer a procedência dos alimentos e sua nova determinação de ingressar na briga política proporcionam teste interessante da máxima do século 19 do chanceler alemão Bismark, de que melhor não ver de perto como são feitas leis e salsichas.
Mas Petrini continua otimista quanto ao distanciamento dos efeitos contaminadores do lobby político e diz que tem havido boa resposta, não só dos partidos Verde da Europa como de alguns de centro-esquerda e mesmo centro-direita. “Temos uma estratégia muito diferente da usada pelos lobistas industriais poderosos com seus escritórios em Bruxelas e seus vínculos com oficiais e a burocracia dali”, ele disse.
“Preferimos trabalhar por meio dos eleitores, nas bases. É uma campanha mais longa e complicada. Pode funcionar melhor em alguns países do que outros, mas é o esforço que estamos fazendo”.
Com discursos divertidos e convincentes e um contagioso entusiasmo pela comida e a produção de alimentos tradicionais, Petrini é a figura pública mais visível da Slow Food, sediada em sua cidade natal de Bra em Piedmont, região do norte da Itália com uma longa tradição de excelência em culinária.
A própria organização opera numa estrutura bastante solta com base numa rede de grupos locais que incluem agricultores e produtores assim como pessoas interessadas em alimentos e agricultura.
“Somos fortes se bem implantados localmente. É assim que temos que operar”, ele disse.
Desde há tempo, antes da campanha pela reforma agrícola na UE, a Slow Food vem promovendo eventos como os festivais “Cheese” ou “”Slow Fish” a cada dois anos, campanhas pela biodiversidade e a Universidade de Ciências Gastronômicas que estabeleceu em Pollenzo, perto de Bra, em 2004.
Mas Petrini diz que continua devotado à idéia da alimentação, do comer, como prazer, mesmo que desconfie da explosão de shows de culinária na TV e restaurantes de alto conceito ao longo dos últimos vinte anos. “Olhe isto”, diz, apontando o prato de bombette de carne assada apuliano à mesa no almoço. “ Simples como só, mas estupendo”.
Numa conversa ao telefone mais tarde, volta ao tema, rejeitando a sugestão de que a Slow Food tem a ver com comida fina de rico e destacando que a crítica é conveniente do ponto de vista da ampla indústria de alimentos global.
“Não é bem uma questão de rico e pobre. Somos todos mal informados e pouco educados sobre este tipo de assunto. Pense na quantidade estonteante de alimentos desperdiçada no mundo desenvolvido a cada dia”, disse.
“É sobre um conceito de prazer mais sóbrio e menos exagerado”, afirma. “Muitos têm a idéia de que qualidade significa caro. Não é isto de forma alguma. Qualidade é sinônimo de bom”.–Reuters